sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Ministério da Cultura, Ministério do Vento, por Leandro Narloch

O caso fictício de um ministério inútil que poderia ser só uma secretaria, mas que serve para financiar viciados em dinheiro público e acomodar políticos
minc1 490x338 Ministério da Cultura, Ministério do Vento, por Leandro Narloch

Artigo do jornalista e escritor Leandro Narloch publicado na Folha de S. Paulo desta sexta (14):
Tanto se acreditava, naquele país, ser dever do Estado encarregar-se de todos os interesses e queixas dos cidadãos que tiveram a ideia de criar o Ministério do Vento.
As correntes de ar eram lá consideradas questão de soberania e identidade nacional. Havia entre políticos e intelectuais uma preferência por ventos do próprio do país e uma ponta de ressentimento contra aqueles vindos de fora. Por isso, decidiram: seriam criadas políticas públicas de fomento a iniciativas eólicas.
A nova ministra assumiu anunciando leis de incentivo e ações de descentralização, mas logo se deparou com um problema fundamental: era impossível incentivar ou mesmo direcionar o vento.
Trata-se, como se sabe, de um fenômeno imprevisível, irrefreável, não dirigível. De repente, um ciclone vindo de longe levava ar quente para cidades inteiras, revirando expectativas dos cidadãos; em outras ocasiões, uma leve corrente ocupava o ambiente aos poucos, se fazendo perceber só depois de ter envolvido os moradores. Novos gêneros eólicos apareciam, enquanto outros deixavam de interessar mesmo com saudosistas se esforçando para resgatá-los.
Apesar desse problema conceitual, o governo precisava acolher as reivindicações de um grupo pequeno mas influente: os empinadores de pipa. Esses profissionais tinham naquela sociedade uma aura especial, como se estivessem num degrau acima do resto da população. Eram eles os mais interessados no Ministério do Vento -o resto dos cidadãos até concordava com o incentivo ao vento nacional, mas preferia mesmo curtir a brisa que bem entendesse.
Para atender a pressão, o governo gastou alguns bilhões com uma rede de tubulações aéreas. O sistema criava uma corrente de ar direcionada e contínua, garantindo que os pipeiros nacionais expressassem as suas virtudes eólicas populares.
Era um aparelho gigantesco e pouco eficiente, mas que deixava satisfeito o lobby dos empinadores. Além disso, o Ministério do Vento servia para acomodar políticos decadentes, como prêmio de consolação por terem sido rejeitados por seus partidos quando queriam concorrer a cargos administrativos de verdade.
Toda essa rede de incentivos, porém, passou a envolver o Ministério do Vento em polêmicas frequentes.
Cada vez mais gente percebeu que o sistema criava dependência e atrapalhava a profissionalização. Como o ambiente natural era inconstante e exigia maiores mostras de habilidade, mais e mais pipeiros passaram a lutar por um espaço no vento estatal.
Pior: de vez em quando a imprensa divulgava que empinadores famosos e com extensas rabiolas entravam com projetos milionários para aproveitar o ar canalizado. O que muita gente achava vergonhoso, afinal aqueles profissionais poderiam facilmente empinar pipas sem a ajuda do Estado.
Mas era difícil, naquele país, ir contra aquela turma. Em sua defesa, havia diversos intelectuais e teorias, segundo as quais era essencial que os empinadores não se submetessem ao vento natural, sob o risco de terem menos liberdade para dar loopings e oitos no ar.
Havia quem pensasse o contrário, que era justamente o ambiente hostil do vento natural que levava à criação de habilidades e movimentos. Para esses, o Ministério do Vento poderia ser reduzido a uma secretaria no Ministério da Educação: já estaria ótimo se o Estado ensinasse os estudantes a apreciar os gêneros eólicos, a diferenciar alísios, monções, rajadas e redemoinhos e os iniciasse na arte das pipas, pandorgas e papagaios e nas batalhas de cerol. Ao reduzir gastos e impostos, o governo ainda deixaria os cidadãos com tempo e disposição para apreciar brisas e manobras.
Mas é claro que essas pessoas que não davam sua opinião em público. Ai de quem pregasse, naquele estranho país, o fim do Ministério do Vento. Seria alvo de protestos inflamados. E tachado de antipatriótico e neoliberal.
LEANDRO NARLOCH, 34, é jornalista e autor de “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil” e coautor de “Guia Politicamente Incorreto da América Latina” (ambos pela editora LeYa)

Um comentário:

  1. Comentário muito pertinente efetuado pelo Prof César
    "Completando, e explicando melhor porque o apoio a certos tipos de produção artística só pode ser entendido como uma estratégia em curso: os coletivos artísticos supostamente têm a proposta de oferecer um contraponto à “massificação” da indústria cultural: espalhados por diversos pontos do país, os artistas afeitos a tais idéias políticas não mais precisariam depender dos meios “tradicionais de sustento” (ou seja, o trabalho!) – mas teriam a continuidade de suas atividades afiançada pelos projetos oficialmente selecionados. Na prática, as indústrias de discos e livros, que são custeadas pelo consumidor que escolhe livremente se irá ou não comprar o trabalho de um artista, cederão seu lugar para os “gestores da produção cultural” – que viverão tranqüila e confortavelmente do dinheiro do contribuinte, que por sua vez terá os produtos dos “artistas alternativos” enfiados goela abaixo, quer gostem ou não. A manobra consiste exatamente em fazer com que os coletivos tomem o lugar das empresas, tudo isto oculto por um simpático discurso de promoção e democratização da cultura. Na prática, estamos pagando para receber doutrinação ideológica rastaquera e lavagem cerebral.

    Essa concepção de produção artística, em que a qualidade do produto independe da apreciação do público, foi amplamente praticada nos anos de vigência de Gilberto Gil no MINC.

    Agora, se quiserem usar dinheiro de imposto para promover algumas orquestras sinfônicas, eu realmente não teria nada contra.

    Cesar."

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